02 agosto 2005

Depoimento do Zé Dirceu: a melhor cobertura da net está aqui. Imperdível!!!!!!!!
- - -

“Eu era então muito pequena, e gostava de ficar olhando enquanto ela raspava as pernas com uma gilete novinha. Enfiava o pé com as unhas pintadas de esmalte vermelho na água quente da bacia de ágata e o mundo inteiro rescendia a um perfume bom de sabonete de rosas.
Ela cantava, acompanhando o velho rádio de válvulas:

"Diga que já não me quer
Negue que me pertenceu
E eu mostro a boca molhada
E ainda marcada pelo beijo teu..."

Ela fumava, e a fumaça do cigarro subia, desenhando anéis contra a luz. Tinha o cabelo pretinho, tão lindo e rebelde. Sempre amarrado no alto, e sempre deixando escapar uma cascata de cachos.

- Conta da coroa?

Ela contava. Que, quando era rainha, numa terra de sonho, muito longe dali, no meio de muitas riquezas e aventuras, ela viveu feliz para sempre.
Tanto que, no guarda-roupa de espelho alto e oval, dentro de uma arca trancada a sete chaves, havia (ela jurava!) uma coroa de ouro cravada de pedras preciosas, e as suas roupas de veludo vermelho e arminho. Então, na tarde quieta em que só se ouviam os pios tristonhos dos pássaros, ela olhava a rua vazia, e me falava:

- Quando aquele tempo voltar, eu só vou usar veludo vermelho e arminho, e você vai ver que beleza é a minha coroa!

E ensaboava a outra perna, cantando.”

É dela, que me chama de sirigaita e me dá carinho.

Um encanto.